Jane Grey, a Rainha de Nove Dias

Lady Jane GreyJane nasceu provavelmente em 1536, e talvez tenha sido nomeada em homenagem à terceira esposa de Henrique VIII, Jane Seymour. A mãe de Jane, Frances Brandon, era sobrinha de Henrique VIII. Quatro anos antes, Frances tinha se casado com Henry Grey, Marquês de Dorset, que mais tarde foi feito Duque de Suffolk. Jane era sua filha mais velha, mas seu sexo foi um duro golpe para seus pais ambiciosos, que queriam um herdeiro. No entanto, eles perceberam que ela poderia ser útil para eles, já que o sangue real Tudor corria em suas veias.

Em 1537, Jane Seymour morreu após dar à luz ao filho que Henrique VIII tanto desejava. O novo príncipe foi chamado de Eduardo. Durante alguns anos, os pais de Jane conspiraram para que ela se casasse com ele e, assim, torná-la rainha da Inglaterra no futuro.

Os Dorsets garantiram que Jane fosse bem educada. Assim que ela completou quatro anos, eles nomearam um tutor (John Aylmer) que a faria digna de um rei. Jane era uma criança inteligente, formidavelmente brilhante e capaz.

Ela uma garota pequena, magra e de cabelo vermelho. Simples, mas bonita, embora isso não importasse muito uma vez que ela tinha sangue real. Toda a sua vida, seus pais a viram como um peão a ser movido a sua vontade. Pior ainda, eles maltratavam seu corpo e espírito. Eles batiam nela e a repreendiam pela menor coisa. O único amor que ela recebia vinha de sua ama, Ellen, e de seu tutor, Aylmer.

Frances BrandonOs melhores anos de Jane foram, talvez, aqueles que ela passou na corte sob o cuidado da sexta rainha de Henrique VIII, Catarina Parr. Como John Aylmer, Catarina também era uma protestante convicta, e ambos podem ter ajudado Jane a se converter à nova fé, ao qual ela seria verdadeira a toda vida.

Depois que Henrique VIII morreu em 1547, seu filho, Eduardo VI, então com nove anos, tornou-se rei, e Jane passou a viver no Chelsea Palace com a viúva Catarina Parr. Logo depois, Catarina se casou com o charmoso e astuto Thomas Seymour, irmão da rainha Jane Seymour. Ele se juntou aos pais de Jane na conspiração de casá-la com o rei.

Seymour, entretanto, não tinha nenhum poder real e nenhum meio realista de realizar esse casamento. Na verdade, Eduardo VI queria se casar com Maria, Rainha dos Escoceses, ou uma francesa ‘bem recheada’ com dinheiro. Ele não estava interessado em fazer de Jane sua esposa.

Já que o rei era uma criança, a Inglaterra estava sendo governada pelo protetor Seymour, Duque de Somerset. Somerset descobriu a trama de casamento entre Jane e Eduardo, e ficou furioso com seu irmão. Apesar disso, Jane foi autorizada a permanecer na casa de Parr. Ela deve ter ficado profundamente entristecida quando Catarina morreu no parto em 1548. Com 10 anos, Jane vestiu luto no enterro da rainha no Castelo Sudeley.

Eduardo VIDepois disso, ela teve que voltar para a casa. Seus pais queriam que ela fosse mansa, dócil e pronta para obedecê-los em todas as coisas. Sua miséria ficou clara para o famoso estudioso Roger Ascham, que conversou com Jane em sua casa quando ela tinha 14 anos. Ela disse a ele:

Quando estou com meu pai ou com minha mãe, se eu falar, ficar quieta, sentar, levantar, comer, beber, ficar alegre ou triste, devo fazê-lo tão perfeitamente como Deus fez quando fez o mundo”.

Se ela não fizesse isso, ela levaria uma surra ou pior. “Acho que encontro-me no inferno”, ela concluiu. As únicas vezes que ela esteve feliz, ela revelou, foram as vezes em que ela estava com seu tutor. Mas na época dos Tudor, os pais tinham o direito de ser mais do que rigorosos com seus filhos, e não tendo ninguém para interceder por ela, ela pode ter sido uma problemática adolescente.

Sob Eduardo VI, a Inglaterra virou protestante e não houve convertidos melhores do que a família Grey. Os últimos anos do reinado viram um abismo gigantesco entre o governo de Jane e de Mary Tudor, sobre questões de fé. Maria era uma católica fervorosa, e Jane uma corajosa protestante. Em 1551, Jane visitou Maria em Essex, e em uma capela lá, ela viu uma mulher se curvar diante da hóstia que estava no altar.

‘Por que você fez isso?’, Jane perguntou.

‘Eu me curvo a Ele, que nos fez’, respondeu a senhora.

Maria I‘Como pode Ele que nos fez está lá, sendo que foi o padeiro quem O fez?’, Jane gritou, indignada. Maria ficou chocada quando ouviu isso, no entanto, ainda tentou ser amigável, pensando que Jane ela estava sendo confundida por outros. Ela deu-lhe um rico vestido e algumas jóias. Por serem muito ostensivos, Jane não os usou. Ela preferia usar roupas em preto ou branco.

Até 1553, o jovem rei estava morrendo. Somerset tinha sido executado – vítima de um golpe de estado – e John Dudley, Duque de Northumberland, estava governando a Inglaterra em nome de Eduardo, que junto dele estavam fazendo planos para impedir Maria de suceder ao trono. Eles concordaram que as afirmações sobre Maria e sua meia-irmã deveriam ser preteridas, e que a coroa deveria ser deixada para a prima do rei, lady Jane Grey.

Dudley queria permanecer no poder, e isso só aconteceria se a Inglaterra estivesse sendo governada por um monarca que se curvasse ao seu governo, e Jane era a única membro da Casa Real adequada a esse papel. Mas Jane não provou ser a mansa e dócil menina que Dudley pensou que fosse. Inteligente e sincera, ela não tinha medo de enfrentá-lo.

Guilford DudleyDudley já havia convencido os pais de Jane, agora Duque e Duquesa de Suffolk, a concordar com um casamento entre Jane seu filho, Lord Guildford Dudley. Guildford era alto e de boa aparência, mas também era mimado e rabugento. Jane não queria se casar: ela queria ficar sozinha com seus livros. Ela odiava os Dudleys, e disse a seus pais que não queria ter Guildford como marido, mas depois de ter levado uma surra por sua rebeldia, ela não teve escolha senão aceitá-lo. O casamento foi em frente – e ao contrário dos filmes populares – não foi feliz. Jane era indiferente ao seu marido.

Depois de Eduardo VI morreu em julho de 1553, Jane foi trazida para Syon House, perto de Londres, e lá foi forçada a aceitar a coroa da Inglaterra. Quando ela viu toda a corte esperando por ela, ela começou a tremer de medo. Dudley a levou até o trono e disse a ela, para seu horror, que Eduardo VI havia nomeado-a seu herdeiro. Assim que todos se ajoelharam diante dela, Jane desmaiou. Ninguém foi ajudá-la.

Quando ela recuperou os sentidos, Jane resolveu tomar uma posição. Ela ficou de pé e declarou:

“A coroa não é minha de direito. Agrada-me, mas não é. Maria é a legítima herdeira.”

Dudley, seus pais e Guildford a coagiram a fazer suas vontades, e no final, ela teve que ceder. Mas ela não estava em paz consigo mesma.

Logo depois, segundo o costume, Jane foi levada para a Torre de Londres para aguardar sua coroação. Mas seu reinado foi o mais curto da história inglesa. O país se reuniu em favor de Maria, a rainha de direito. Ninguém queria Jane, o povo da Inglaterra mal sabia quem ela era. Após Maria ter sido aclamada com grande celebração, Dudley foi preso na Torre. Ele logo perderia a cabeça em Tower Hill.

Jane GreyJane foi ao jantar quando Maria foi proclamada. Ela estava ciente de como, tranquilamente, os aliados a haviam abandonado. Então, seu pai lhe disse: “Você não é mais rainha”. Ela respondeu que não estava triste em ouvir isso, e perguntou “Posso ir para casa?” Seu pai não respondeu, mas deixou-a ali na Torre. Em breve, os guardas viriam transferi-la para à casa do Mestre Partridge, o Carcereiro Cavalheiro. Ela foi alojada com conforto e lhe foi permitido alguns livros. Ela tinha suas refeições com o carcereiro e sua família, sentada à cabeceira da mesa. Não era uma vida ruim, e ela não reclamou.

Jane não queria o trono, mas Maria tinha razão para temer que ela continuaria sendo um foco da parcela protestante. Então, ela manteve Jane na Torre, bem cuidada, mas como uma prisioneira. Ela não queria machucá-la. Não obstante, a Rainha fez com que Jane e Guildford fossem levados à julgamento em Guildhall e condenados à morte, mas foi apenas uma formalidade: eles foram informados de que Maria iria poupá-los do machado. “Acredita-se que Jane não vai morrer”, escreveu um cortesão.

Maria já tinha restaurado a fé católica na Inglaterra. Dentro de alguns meses, ela ressuscitaria as leis de heresia que sancionariam a queima daqueles não aceitavam a fé. Tendo se apaixonado pelo seu retrato, ela estava determinada a se casar com o Príncipe Felipe da Espanha, um católico fervoroso, mas o povo não queria ser governado por um príncipe estrangeiro. No início de 1554, um cavalheiro chamado de Kentish, Sir Thomas Wyatt, fez um grande revolta por causa da proposta do casamento. Maria quase perdeu sua coroa, mas a revolta foi suprimida.

O pai de Jane havia sido um dos líderes rebeldes, e tinha proclamado que sua filha era rainha novamente, um ato de alta traição. Jane não sabia de nada, nem tinha nada a ver com a revolta, mas isso não fez diferença para aqueles que viam sua existência como uma ameaça para a Rainha Maria.

Jane GreyFicou claro que Felipe não viria para a Inglaterra se casar com a rainha se Jane não fosse morta. Efetivamente, a rainha não teve escolha e uma data para a decapitação de Jane foi escolhida. Ao ser informada disso, Jane respondeu: “Estou pronta e feliz para terminar meus dias miseráveis”.

Maria estava profundamente preocupada com o envio dessa jovem prima de 17 anos para a morte. Ela enviou o Abade de Westminster para converter Jane para a fé católica, e foi dito que se ela se convertesse, poderia viver. Mas Jane não negaria seu Deus: “Não é meu desejo prolongar meus dias”, ela disse ao Abade. O homem, comovido, perguntou se ele poderia estar com ela no final. Ela concordou.

Em 11 de fevereiro de 1554, Jane estava pronta para morrer. “A minha alma vai encontrar a misericórdia de Deus”, ela escreveu. De manhã cedo, um grupo de mulheres veio examiná-la para garantir que ela não estava grávida: se ela estivesse, a rainha teria poupado-a, mas ela não estava.

No dia 12 de fevereiro de 1554, ela colocou o mesmo vestido preto que usara em seu julgamento. Guildford pediu para vê-la e se despedir, mas Jane não concordou, ao invés disso ela prometeu que estaria vendo-o morrer. Da janela, ela o viu chorando enquanto caminhava com os guardas para Tower Hill. Não muito tempo depois, ela viu os guardas de volta, carregando a cabeça e o corpo sangrento de seu marido envolto em panos brancos. Ela gritou: “Oh! Que amarga é a morte!”

Jane foi caminhando para o cadafalso, calma e corajosa. Ela falou para a multidão:

” Pessoas boas, eu vim para morrer, pela lei”, ela começou, e depois disse que era culpada por ter tomado o trono, mas disse que ela nunca o quis. Ela terminou dizendo: “Eu morrerei como uma verdadeira mulher cristã”.

Ela pediu para que o Abade se juntasse a ela em suas orações, mas o homem estava muito chocado para responder. Depois de terminarem as orações, ela lhe deu um beijo de despedida. O carrasco tentou ajudá-la a desamarrar o vestido, mas ela não o deixou e o fez ela mesma. Ele se ajoelhou e pediu para que ela o perdoasse pelo o que ele tinha de fazer, e ela o perdoou de bom grado.

A execução de Jane GreyAo se curvar para colocar a cabeça no bloco, Jane não conseguiu encontrá-lo por estar com os olhos vendados. “O que eu devo fazer? Onde ele está?”, ela gritou em pânico. Ninguém se moveu enquanto ela tateava o ar a procura do bloco. Então, alguém veio e colocou suas mãos no bloco. “Senhor, em tuas mãos eu entrego o meu espírito!”, ela chorou. Uma testemunha escreveu que nunca tinha visto tanto sangue, assim que o carrasco levantou sua cabeça decepada e gritou: “Eis aqui a cabeça de um traidor!”

Os restos de Jane foram deixados no cadafalso por algumas horas antes de ser enterrado na Capela Real de São Pedro ad Vincula. Guildford foi executado em praça pública, mas Jane recebeu uma execução privada – por ordem de Maria, como um gesto de respeito à prima – e ambos foram enterrados na Capela Real de São Pedro ad Vincula. No dia 19 de fevereiro o pai de Jane seria executado por traição. A sua mãe se casaria mais uma vez, e viveria para ver Elizabeth I subir ao trono em 1558. Suas duas irmãs viveram uma vida quase igualmente trágica, mas isso é outra história.

Traduzido e editado do artigo ‘LADY JANE GREY: THE NINE-DAYS` QUEEN‘, escrito por Alison Weir.

15 comentários sobre “Jane Grey, a Rainha de Nove Dias

  1. Uauuuuu
    que história… deu uma pena dela.. ainda não assisti nada da Jane… vou procurar mais.. e ler mais.
    E pelo menos ela estava preparada para seu destino. Foi de cabeça erguida.

    • Impressionante a barbaridade da monarquia dessa época. Mas admiro a coragem, caráter e altivez de Jane Grey. Ela foi fiel e sincera a si mesma o tempo inteiro, apesar de ter sido tão maltratada pela vida. Parabéns pelo post e pelo site!

      • Também, admiro a coragem e o caráter de Lady Jane Grey, uma jovem que não possuía nenhum tipo de controle sobre sua própria vida e, que se viu arrastada pela ambição ao poder, na disputa entre facções protestantes e católicas.

    • Concordo. Ela foi educada somente para servir aos pais, sendo uma marionete deles. Deve ter sido muito triste.

  2. Acho que é um dos melhores textos que o Boullan ja publicou; riquissímo em conteúdo. Confesso que nao sabia muito sobre a trágica história de Lady Jane Grey, pobre garota, sua história é tão triste que nao há como nao se comover.

  3. Fico pensando se Elizabeth estivesse mais velha e a ponto de assumir o poder, não teria poupado a prima…como Maria pode ser tão ruim? Odeio ela! ¬¬
    Você falou “ao contrário dos filmes populares, ela foi indiferente com o marido” poxa, achei que aquele filme sobre ela, quando a Helen Boham Carter é bem novinha fez, achei que fosse real, que pena, gostei tanto…

    • Não, o filme é bem historicamente incorreto, infelizmente. Na verdade, existe a possibilidade de que Elizabeth teria sim mandado executar Jane Grey caso fosse ela que estivesse no trono, pois durante o reinado de Elizabeth sua prima Maria Stuart foi condenada à morte, acusada de conspiração e alta traição contra a vida da rainha.

  4. Emocionante.messmo linda historia.não foi atoa.que Maria foi conhecida como a rainha sanguinaria…

  5. Não conhecia a historia… fiquei curioso quando vi o Quadro que retrata a morte da lady jane em Londres… rainha por 9 dias, uma historia e tanto, pena que com final trágico.

  6. Nossa que fim triste, me deu muita pena dela, pois por culpa de seus pais que eram gananciosos ela teve que pagar, e ate pela sua religião hj temos que dar graças a Deus por termos o direito do livre arbítrio, ela foi uma grande mulher!

  7. Resumindo, uma peça num jogo, sem dúvida. Engraçado aliás que pra muitos Mary I e Mary Stuart é que foram vítimas mas se elas foram o que dizer dessa garota que desde criança foi tratada assim pra no fim ser morta desse jeito e de quebra nem mesmo a história se preocupou em o nome guardar. Pobre Lady Jane Grey, para mim foi de fato a vítima nessa história toda por um lado, mas por outro senhora de si mesma, indo até ao fim e na morte achando a paz, espero.

    Sobre esse lance aí com a Elizabeth, isso me parece extremamente improvável, se Mary hesitou em matar Jane que dirá Elizabeth com Mary, que tomou quase 20 anos?!! Sem mencionar o fato que diferente de Jane Mary sempre foi ambiciosa, vaidosa e caprichosa, querendo a coroa da prima sempre fora os supostos envolvimentos em esquemas para lhe derrubar do trono e assumir seu lugar, isso mais o fato de que tanto Elizabeth como Jane eram protestantes convictas. Eu mesmo gostaria de saber como seria o relacionamento entre as duas.

    Ps: terminei de ler isso ouvindo “Exit Music” de Westworld, nossa! E esse belo retrato aí não é da Katherine Parr, não?

Deixar mensagem para Maria Helena Cancelar resposta