i que falta de sorte minha! Escondida nos meus aposentos, ouço o ruído das festividades natalícias no grande salão de Greenwich celebrações grandiosas e públicas presididas pelo rei e pela rainha, enquanto que eu estou apenas acompanhada por minha mãe e irmã, Thomas Cranmer e alguns cortesãos que me são fiéis. George continua em França e meu pai – que julgo ignorar o significado da palavra lealdade – festeja esta noite ao lado do rei.
Reprovei veementemente Henrique por esta triste decisão, porém declarou-se impotente para alterar uma antiga tradição.
– Enquanto Catarina for rainha – respondeu – deve manter-se como minha consorte oficial, durante as festas de Natal e Páscoa. Noutras ocasiões, meu amor, sereis certamente vós a acompanhar-me. Já causamos escândalo por exibir em público o nosso amor, todavia nestes dias sagrados, os meus súditos não permitiriam a vossa presença a meu lado e revoltar-se-iam. Perdoai-me, Ana, peço-vos.
Não perdoei ao rei e, com as lágrimas a correrem-me pelas faces, ordenei-lhe que se afastasse da minha vista. Agora escuto a música que chega do salão lá de baixo, imagino as mesas festivas, iluminadas por um milhar de velas, os esplêndidos convidados de Henrique, as suas jóias, as suas vestes elegantes, a dançar e a rir, com os meus inimigos, encantados com a minha ausência.
Confessei estas tristezas a minha irmã viúva, que escutou as críticas que fiz a quem me detesta. Em primeiro lugar, a rainha que, com a sua perseverança e exasperante dignidade, contém as maquinações de Henrique e recusa-se a tratar-me mal. Maria afirma que Catarina não acredita que nos casemos e, que se se mantiver firme no seu lugar e nada disser de ofensivo ou insultuoso, chegará o dia em que recuperará a sua posição no coração do rei bem como a validade do seu casamento. Diz que a rainha não pode odiar-me, pois a sua fé católica e amor piedoso não lho permitem.
É bem diferente a atitude da princesa Maria. Tal como eu, minha irmã apercebe-se do veneno do olhar da jovem. Católica ou não, deseja ver-me morta. E embora Henrique despreze cada vez mais Catarina, adora a sua bonita filha Maria, agora com treze anos, inteligente e instruída, a sua Pérola do Mundo. Até que do meu ventre nasça um príncipe, esta frágil menina continua a ser a única herdeira legítima do Rei.
Inimigas de menor importância mas, mesmo assim incómodas, são as aias espanholas de Catarina. Já afirmei de viva voz que gostaria de as ver afogadas no fundo do mar. Maria perguntou-me se era verdade que eu dissera à aia da Rainha, Maria de Moreto, que preferia ser enforcada a reconhecer Catarina como minha ama. Confessei que sim, que era verdade e Maria soltou uma gargalhada que eu acompanhei. Foi bom sentir erguer-se a nuvem cinzenta do meu coração enquanto arremetíamos contra outros adversários, com gracejos e troças.
Depois perguntou-me qual era o meu mais fervoroso desejo. Levei algum tempo a responder. Que Henrique afastasse da corte a rainha Catarina e a princesa Maria, respondi, por fim.
– Deixa-me dizer-te como poderás obter tal favor do rei. – Inclinou-se mais. – Henrique é um homem lascivo e nem todos os beijos e carícias deste mundo o contentam.
– É como te digo, minha irmã. Nos seus sonhos sou muito melhor do que poderia ser na realidade.
– Dá-lhe alguma coisa, Ana, mas mantém a tua virgindade. Adota a técnica francesa para o satisfazer… com a boca. Juro que para ele será maravilhoso e que nem conseguirás contar os presentes e favores que te concederá depois de uma noite de tais carícias.
Senti ferver-me o sangue. Deveria aceitar o conselho de uma concubina usada e desprezada por Henrique?
– Queres ensinar-me estratégias de amor, quando estou a um passo da coroa de Inglaterra?
– Oh, faz como quiseres, minha irmã. Mas essa coroa está ainda firme sobre a cabeça de Catarina, que não desistirá dela assim com tanta facilidade.
– Henrique ama-me!
– Henrique é caprichoso.
Tive desejos de lhe esbofetear o belo rosto; contive-me, porém. Embora acredite piamente nas boas intenções do rei, sinto-me abandonada e afastada durante as festividades do Natal.
Meu Deus, rezo para que minha irmã se engane e que, no próximo Natal eu já seja rainha.
Afetuosamente,
Ana