Catarina Parr, a Primeira Rainha da Irlanda

Catarina Parr, artista desconhecido, em 1546.“A rainha é graciosa, de semblante alegre e é elogiada por sua virtude”
– Eustace Chapuys, o embaixador espanhol na Inglarerra (1543).

Catarina Parr tem várias razões para ser famosa. A primeira é que ela foi a última da meia dúzia de esposas de Henrique VIII. Segundo, ela era a rainha mais casada na História Britânica (ficou viúva duas vezes antes de se casar com Henrique VIII, e se casou novamente após sua morte). Em terceiro lugar, ela foi a primeira membro verdadeiramente protestante da família real britânica, e foi também a primeira mulher a ser denominada ‘Rainha da Irlanda’. 

A Irlanda tinha pertencido a Inglaterra desde o reinado do rei Henrique II (1154-1189), quando ele conquistou (supostamente) com a benção do Papa e com a assistência de um príncipe gaélico, Dermot MacMurrough. Em termos de guerra medieval e prática política, a conquista inglesa da Irlanda não tinha sido nada anormal ou até mesmo espetacular. Seguida da conquista, o rei da Inglaterra deu o título de Senhor da Irlanda a seu filho mais novo, John.

Para o resto da Idade Média, até os tempos de Henrique VIII, todos os reis da Inglaterra tinham como título secundário Senhor da Irlanda. No entanto, tudo isso mudou em 1542 com a constante expansão de Henrique VIII. Assim como título de Senhor da Irlanda tinha nascido fora das convenções políticas da Idade Média, assim foi o novo título de Rei da Irlanda, nascido das novas realidades políticas do Renascimento e da Reforma.

Henrique VIII por Hans Holbein, o Jovem, em 1542.Foi decidido elevar o título de Senhor da Irlanda a Rei da Irlanda em Dublin, em 1542. Foi pedido ao Parlamento Irlandês que ratificasse o Ato da Coroa da Irlanda, o que eles fizeram, aparentemente, com entusiasmo, embora o Vaticano tenha levado mais de 13 anos para aceitar o movimento como legítimo. O apoio do Parlamento Irlandês ao novo título era compreensível, já que muitos membros da aristocracia irlandesa tiveram o prazer de ver seu país homenageado com um título real e não mais feudal. Isso elevou o status da nobreza irlandesa em relação ao equivalente inglês, ao ponto que as pessoas se agarravam tenazmente às suas ascendências nos séculos XVIII e XIX. No entanto, as preocupações do povo irlandês – fossem condes ou plebeus – tinha pouco a ver com a decisão de transformar de Henrique de Senhor a Rei. O momento da mudança foi motivada pelo ego enorme, mas frágil, de Henrique VIII e  seu comportamento notoriamente perigoso.

Pela maior parte do ano, o rei Henrique lambia suas feridas e atacava qualquer um ao redor dele, por causa de sua quinta esposa, Catarina Howard, que tinha sido executada por suas relações adúlteras. Juntando a humilhação pública de adultério da rainha, o rei também estava enfrentando recessões econômicas, crescentes tensões sectárias em Londres, aumentando a impopularidade no norte da Inglaterra e em uma guerra cara e desastrosa com a Escócia. A decisão de concentrar a atenção da magnificência imperial inglesa (e agora irlandesa) foi concebida não só para impressionar o esplendor do governo sobre o povo, mas também foi uma tática empregada pelos cortesãos para distrair seu amargo rei.

Inicialmente, não havia nenhuma rainha ao lado de Henrique no recém-criado título. Quando a lei foi aprovada, era um dos raros momentos em que Henrique Tudor não era casado. Além dos dois anos que levou para organizar seu quarto casamento com Ana de Cleves, a única vez que Henrique tinha sido verdadeiramente solteiro foi até seus dezessete anos de idade, e depois por 11 dias, depois da execução de Ana Bolena em 1536.

 Provável Catarina Howard, feito por Hans Holbein.A dor da infidelidade de Catarina Howard tinha ferido o rei de uma forma que nada em sua vida o fez. Ana Bolena pode ter sido acusada de adultério, mas Catarina Howard realmente o fez, e a devastação do rei em 1542 quando comparados com sua alegria doentia em 1536 acabam com qualquer tentativa recente de historiadores que sugerem que ele foi incentivado a acreditar que Ana tinha sido infiel a ele. O rei sabia que Ana era inocente e tinha sido condenada à morte injustamente, ao contrário da bonita adolescente Catarina Howard, que realmente corria para os braços de qualquer homem bonito.

Depois de fazer um ano que os Apartamentos da Rainha estavam vazios, Henrique começou a se sentir sozinho. Talvez o novo título tenha ajudado a rejuvenescer o espírito do rei, ou talvez fosse a derrota dos exércitos escoceses na Batalha de Solway Moss. De qualquer forma, o rei tinha capturado um pouco de sua alegria de viver que, como sempre, fez com que a companhia de uma mulher fosse necessária.

O problema era que, desta vez, ninguém o queria. Dois divórcios, duas decapitações e uma morta no parto não geravam exatamente um partido muito bom para as mulheres jovens de alta classe. Pior, agora havia uma lei que tornasse crime se você mentisse sobre sua virgindade ao se casar com o rei da Inglaterra. O Embaixador Espanhol, com sua amabilidade de sempre, observou que isso significava que o número de esposas potenciais caía pela metade. Mas o que a lei realmente queria dizer é que qualquer quantidade de fofocas – reais ou falsas, ou uma mistura de ambos – poderiam acabar não só com a reputação, mas também a vida, mesmo de mulheres moralmente íntegras.

Catarina Parr, por Master John por volta de 1545.A atenção de Henrique finalmente caiu sobre uma candidata improvável de alguém que nada tinha a temer da nova lei, pois a muito tempo deixara de ser virgem. Catarina Parr tinha 30 anos de idade, era gentil, inteligente, digna, se vestia impecavelmente e era muito charmosa – uma verdadeira senhora. Ela não tinha nada que era considerado ‘errado’ nas outras esposas do rei: ela não tinha nada do orgulho de Catarina, nenhum glamour perigoso de Ana, ela certamente poderia manter conversas inteligentes, ao contrário de Seymour, não tinha nenhum problema infeliz com higiene (ao contrário do que dizem sobre Ana de Cleves), e não era nenhuma irresponsável como Catarina.

Ela também foi a única das seis esposas do rei que realmente não queria se casar com ele. Durante semanas, ela chorou e rezou, tentando desesperadamente se esquivar da proposta sem ofender do rei. No final, é claro, ela tinha pouca ou nenhuma escolha, e no dia 12 de julho de 1543, em Hampton Court Palace, Catarina Parr estava ao lado de seu enorme e terrível noivo, onde o Bispo de Winchester a declarou Rainha da Inglaterra e da Irlanda.

Traduzido do artigo 'The First Queen of Ireland"' escrito por Gareth Russel.

4 comentários sobre “Catarina Parr, a Primeira Rainha da Irlanda

    • Ana Bolena não era exatamente protestante, ela era uma evangélica apaixonada pela reforma. Não se tem muita certeza de que Ana de Cleves era uma protestante convicta: Elizabeth Norton, em sua biografia de Ana, aponta que a educação religiosa de Ana foi controlada pela sua mãe, uma católica devota, e que seu pai, embora “influênciado pela reforma religiosa” foi humanista, ao invés de luterano, “permanecendo na perspectiva de um católico, apesar de ‘reformado’”.

      Já Catarina Parr era reconhecidamente protestante; sua fé é evidente em suas obras. O rei até chegou a ser informado de que Catarina Parr e vários membros de sua família ‘nutriam simpatias protestantes’.

  1. Ana Bolena não era assumidamente protestante. Ela viria a manter uma posição reformista de que o papado era uma influência que corrompia o cristianismo, mas pode-se observar algumas tendências conservadoras. O notável sermão de John Skip, esmoler da rainha, algumas semanas antes de sua morte, por exemplo, lançam dúvidas sobre o espírito reformista de Ana (ele pregou contra as inovações que tinham sido feitas nos últimos anos, defendeu as antigas cerimônias e tomou o lado daqueles que não procuraram qualquer reforma radical).

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