O que é fato e o que é ficção na disputa das jóias da coroa de Catarina Parr

A mais nova série da STARZ sobre os Tudors, chamada de Becoming Elizabeth, trata da história da princesa Tudor depois da morte de seu pai, Henrique VIII, em 1547, e como ela reagiu aos eventos a partir desta data. Uma das narrativas inseridas na série em seu segundo episódio, exibido em 19 de Junho de 2022, mostra o conflito entre o Lorde Protetor, Eduardo Seymour, com Catarina Parr e seu marido, Thomas Seymour, em relação à devolução das jóias da Coroa. Assista a cena em questão:

De acordo com Elizabeth Norton, em seu livro “Catherine Parr”, a Duquesa de Somerset, esposa de Eduardo Seymour, difamava o novo status de Catarina Parr. Além disso, a antiga Rainha havia guardado sua coleção de joias na Torre de Londres por segurança e, embora algumas delas tivessem sido dadas a ela por Henrique VIII, havia muitas peças que Catarina havia herdado de sua mãe, além da sua aliança de casamento com o rei. Quando Catarina percebeu que o relacionamento com Eduardo estava azedando, ela decidiu tentar reaver suas jóias, mas sem sucesso.

Acredita-se que Eduardo tivesse dito, em relação à ordem hierárquica na corte, que sua esposa deveria se sentar antes da Rainha:

“Irmão, tu não és meu irmão mais novo, e eu não sou o Lorde Protetor, e tu não sabes que sua esposa, antes de ser casada com o Rei, era de um nível hierárquico mais baixo do que o de minha esposa? Eu então desejo, já que a Rainha é sua esposa, que a minha irá antes dela”.

As palavras do Protetor teriam sido uma guerra aberta entre ambos irmãos e suas esposas, ao que Thomas teria respondido:

“Sinto muito que há qualquer esposa entre elas, mas eu posso te dizer que a Rainha está determinada a não permitir isso, então não me culpe”.

Catarina, humilhada por isso, teria dito: “Eu mereço isso, por me degradar de uma Rainha casar-se com um Almirante”.

No entanto, recentemente, tem havido muita discussão sobre o que realmente é verdade e o que é ficção sobre essa batalha de “precedência”. Susan Higginbotham, em seu blog, fez uma boa revisão historiográfica sobre o que realmente foi dito. Assim Catarina Howard sofreu muita influência da Crônica Espanhola, assim como foi com Catarina Parr:

“Mal se passou um ano após o casamento da Rainha com o Almirante e houve grande ciúme entre a Rainha e a esposa do Protetor. Quando a rainha viu, ficou muito aborrecida e disse ao marido, o Almirante: “Como é que, através do meu casamento com você, a esposa de seu irmão está me tratando com desprezo e pretende ir antes de mim? Eu nunca vou permitir isso, pois sou Rainha, e assim serei chamada por toda a minha vida, e prometo a você que se ela fizer de novo o que fez ontem, eu mesma a puxarei de volta”. O Almirante ficou muito triste com isso, primeiro porque seu irmão deveria tratar a rainha com mais respeito, e depois porque ele não queria que os dois estivessem em más condições; então ele falou com o Duque sobre isso; mas como ele (o Duque) era mais governado pelos desejos de sua esposa do que qualquer outra coisa, em vez de tentar pacificar o Almirante, disse: “Irmão, você não é meu irmão mais novo, e eu não sou Protetor, e você não sabe disso? Sua esposa, antes de se casar com o rei, era de posição inferior à minha esposa? Desejo, portanto, já que a Rainha é sua esposa, que a minha vá antes dela”. Aqui o Protetor mostrou sua grande arrogância; e acredita-se que quando ele conseguiu que a Rainha se casasse com seu irmão, foi principalmente para exaltar sua própria esposa sobre ela, pois ele era o Protetor. O Almirante lamentou muito o que seu irmão disse e respondeu: “Meu irmão, sinto muito que haja alguma raiva entre elas, mas posso lhe dizer que a Rainha está determinada a não permitir isso, então não me culpe. por isso.” No dia seguinte, na hora em que costumavam ir à capela do palácio ouvir as matinas, a mulher do Protetor veio e se adiantou, sentando-se no lugar da Rainha; e assim que a Rainha viu, ela não aguentou, e segurou seu braço, e disse: “Eu mereço isso por me rebaixar de uma Rainha para me casar com um Almirante”.

Higginbotham acredita que isso é extremamente improvável. Primeiro, porque indica que o próprio Protetor teria arranjado o casamento entre Thomas Seymour e a Rainha, o que é conhecido por ser mentira. O próprio rei Eduardo VI havia escrito em seu diário: “O Lorde Seymour de Sudeley casou-se com a Rainha cujo nome era Catarina, e por esse casamento o Lorde Protetor ficou muito ofendido”.

Além disso, “quase um ano” é muito problemático, pois caso Parr tenha se casado em maio ou junho de 1547, na primavera de 1548 ela não estava na corte brigando, mas sim em sua própria casa, preparando-se para o nascimento de seu filho, que ocorreria em 30 de Agosto. Nessa mesma época, a Duquesa de Somerset também estava grávida, e seu filho nasceria em julho.

Outra “grande” referência usada para essa briga é o conhecido Nicholas Sander, que escreveu diversas difamações infundadas sobre Ana Bolena. Ele teria escrito:

O Protetor, o Duque de Somerset, tinha um irmão, Thomas Seymour, Almirante da frota, que se casou com Catarina Parr, a última esposa de Henrique VIII, após a morte do rei. Entre ela e a esposa do Protetor surgiu uma briga sobre a precedência, e a briga não se limitou às esposas, passou para os maridos. E como a rivalidade crescia dia a dia, e como a esposa do Protetor não dava descanso ao marido, as coisas finalmente chegaram a isso: o Protetor, que, embora governasse o rei, ainda era governado por sua esposa, deveria colocar seu irmão até a morte, para que pudesse satisfazer sua ambição sem impedimentos. Mas como Thomas Seymour era inocente de tudo pelo que merecia morrer, exceto heresia, e como o Protetor, ele próprio um herege, não podia imputar isso ao irmão, era necessário recorrer à falsidade.

Outras referências da época, como John Clapham, John Haywood e John Foxe também notaram que havia uma briga entre as duas mulheres, mas não havia um motivo específico da causa. O que sabe é que havia um relacionamento conflituoso entre os dois casais. Das cartas sobreviventes de Catarina Parr, ela escreveu que “Esta não é a primeira promessa que recebo da vinda [do Protetor], e ainda não cumprida” e “foi uma sorte estarmos tão distantes, pois suponho que, do contrário, eu deveria tê-lo mordido”. No entanto, não há nenhum registro histórico verdadeiro sobre qualquer disputa envolvendo as jóias reais.

Acredita-se atualmente ser mais provável que os dois casais não se gostassem, e que uma briga entre as duas mulheres ter sido criada por escritores posteriores para explicar e simplificar a disputa muito mais mortal entre os irmãos Seymour. Pouco tempo depois, em 1549, Thomas seria executado.

Bibliografia:
HIGGINBOTHAM, Susan. The Great Precedence Battle of Katherine Parr and Anne Somerset. Acesso em 28 jun. 2022.
NORTON, Elizabeth. Catherine Parr: Wife, widow, mother, survivor, the story of the last queen of Henry VIII. Amberley Publishing Limited, 2010.

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