A morte de Eduardo VI

Eduardo VI por Guillim Scrots em c.1547A morte prematura de Eduardo VI, com quinze anos de idade, deu origem ao boato de que ele sempre foi uma criança doente. Esta imagem do frágil menino-rei, cuja vida foi extinta por defeitos genéticos dos Tudors e Seymours, não são corroboradas pelos retratos de Eduardo, que datam os últimos dezoito meses de vida.

Pode ser que, como o seu falecido tio Artur Tudor, sua fraqueza física foi exagerada simplesmente porque ele morreu jovem. Doenças no século XVI eram terríveis e muitas vezes derrubavam jovens ou mulheres que não estivessem na sua melhor forma física.

De qualquer maneira, a saúde, uma vez robusta, do jovem monarca que reinou desde a morte de seu pai quando tinha seis anos de idade, começou a fraquejar e deu lugar a uma séria de agonizantes queixas físicas. Em pânico, os seus conselheiros se mudavam de palácio para palácio – tentando o ar limpo de Greenwich, longe do pó e da sujeira da cidade e dando uma série de ‘remédios’ ao jovem homem, tudo para prolongar sua vida ao invés de salvá-la, e infligindo mais dor ao rei. Graças a sua comitiva e médicos, os últimos meses de Eduardo VI nesta vida foram infernais e desprovidos de conforto, alívio ou felicidade. O governo submeteu o rei a tratamentos médicos cruéis e arriscados, recorrendo a tentativas desonestas e  desesperadas para esconder a verdade do enfraquecimento do rei do público e, em particular, de suas irmãs.

Eduardo VI tinha sido o primeiro monarca realmente protestante da Inglaterra e, apesar de sua juventude (ou talvez por causa dela), ele abraçou a fé com um zelo tão intenso que às vezes seus próprios conselheiros acharam difícil argumentar com ele. O constante assédio que ele submetia a sua irmã mais velha, Maria, por causa de sua fé católica era tão mesquinha quanto consistente e, com razão, evoca um considerável simpatia para com Maria (embora alguns escritores modernos estejam esquecendo que Maria fez exatamente a mesma coisa com Elizabeth quando se tornou rainha). Agora, o ressentimento de fé católica de sua irmã mais velha voltou para atormentar o jovem Eduardo em seu leito de morte. Não era o perdão que o rei queria. Ele queria levar sua rivalidade para a sepultura e assegurar que, antes de morrer, ele teria impedido Maria de herdar o trono.

O rei sabia que, se sua irmã mais velha herdasse o trono, todo o trabalho de sua vida para trazer o protestantismo para os seus reinos seriam destruídos e que ela presidiria a restauração do catolicismo com a mesma eficiência militante que ele se devotou ao protestantismo.  Fraco de corpo mas são, Eduardo estava conivente com o Duque de Northumberland e outros membros do Conselho em deserdar suas duas irmãs. Uma vez que Eduardo era o último homem Tudor, a Coroa teria de passar por uma mulher. Ele sabia que ele não poderia tirar Maria da sucessão exclusivamente com base em sua religião. Ele não poderia impedir Maria sem fazer o mesmo com Elizabeth e, apesar de todo o carinho que outrora teve entre os irmãos, aparentemente Eduardo não teve um pingo de hesitação antes de declarar Maria e Elizabeth ilegítimas, o casamento de suas mães ilegais por leis de Parlamento.

 Jane Grey, por Richard BurchettA idéia era pular as duas irmãs e passar o trono para a sua prima em segundo grau, Lady Jane Grey, agora convenientemente casada com o filho de Northumberland, Guildford. Jane, com 15 anos de idade, devota, intelectualmente brilhante e ferozmente protestante foi, em muitos aspectos, uma versão feminina de Eduardo e, com o apoio de Northumberland, ela parecia o candidato ideal para expulsar Maria de sua posição como herdeira do trono.

Se a deserdação de Maria e Elizabeth eram ou não ilegais, isso não pareceu importar imediatamente. A lei no século XVI (e até hoje, alguns poderiam dizer) era um campo minado de interpretações, brechas, confusões e, muitas vezes, mentiras. A interpretação geral das ações de Eduardo eram ilegais porque ele mudou as condições do testamento de seu pai, que tinha o nome de Maria como próxima na linha de sucessão se Eduardo morresse sem filhos. O mais recente biógrafo de Jane Grey, EW Ives, argumenta convincentemente de que, embora as ações de Eduardo enquanto  agonizava podiam ser desagradáveis,elas não eram não ilegais. Como soberano, ele tinha todo o direito de decidir para quem ele passava o trono quando morresse e que era a vontade do monarca atual que importava, e não do anterior.

Além disso, durante o seu reino, Henrique VIII abriu um precedente nomeando e excluindo seus herdeiros à sua própria vontade, dando pouca atenção as regras tradicionais que governavam a Inglaterra. Seguindo o exemplo de seu pai, Eduardo também mudou a sucessão.

Inicialmente, o rei tinha decidido que somente um herdeiro do sexo masculino seria capaz de sucedê-lo. Como sua saúde piorava, o Duque de Northumberland convenceu Eduardo a alterar o texto para que Lady Jane Grey e suas irmãs fossem autorizadas a sucederem. O rei, entretanto, só reconheceu o direito de Jane para a sucessão como uma exceção à regra masculina. Isso significava que os sucessores de Jane só poderiam reinar se fossem homens.

Em algum momento no início de junho, Eduardo supervisionou a elaboração da  nova versão da linha de sucessão. Em 15 de Junho, Eduardo convocou todos os advogados e juízos de alto escalão e ordenou que elaborassem uma Carta Patente, que seria entregue ao Parlamento. O próximo ato de Eduardo com seus ministros e advogados foi o de assinarem um vínculo em sua presença, estipulando que eles seriam fiéis a vontade de Eduardo após sua morte. Tudo foi assinado em 21 de junho por mais de uma centena de uma pessoa, muitos dos quais afirmaram (no reinado de Maria) que foram forçados a assinar pelo Duque de Northumberland, o Lorde Protetor.

De qualquer maneira, com Maria e Elizabeth tiradas da linha de sucessão e Jane aparentemente assegurada, o jovem voltou para o seu leito de morte. Eduardo fez sua última aparição pública em 1 de Julho. O rei apareceu na janela dos aposentos reais do Palácio de Greenwich. Edward VI por Linton, no século 16Ao longo dos próximos dois dias, grandes multidões se reuniram em frente ao palácio, na esperança de ver Eduardo. Em 3 de Julho, funcionários do palácio informaram as multidões que estava muito frio para que o rei aparecesse.

O embaixador imperial mais tarde soube que, durante as duas últimas semanas de sua vida, Eduardo foi forçado a deitar-se de costas no chão e vomitar tudo o que tinha comido, vivendo inteiramente de tônicos e obtendo pouco ou nenhum descanso. Com as inúmeras doenças e enfermidades o sistema imunológico de seu corpo começou a falir, e seus dedos começaram a grangenar. Os tratamentos médicos a que tinha sido submetido deformaram e escureceram sua pele, enquanto seus membros inchavam e seu cabelo começou a cair. Magro, devastado pela doença e em agonia física constante, Eduardo VI, o único filho homem sobrevivente de Henrique VIII, morreu no Palácio de Greenwich, em 6 de Julho de 1553, nos braços de seu amigo de infância, Henrique Sidney. Suas últimas palavras foram:

‘Estou cansado, Senhor, tenha piedade e tome meu espírito’.

Ninguém sabe, ou sabia, o que exatamente levou à morte horrível de Eduardo VI. O Embaixador de Veneza  em Londres acreditou que deveria ser tuberculose, pois só isso explicava o definhamento do corpo do rei. Rumores de que ele tinha sido envenenado ou por Northumberland ou por Maria são parte da parcela  da paranóia habitual do século XVI, e não têm qualquer parcela de verdade mais do que os rumores de que Ana Bolena envenenou Catarina de Aragão ou que Elizabeth I envenenou Maria de Guise.

Dois de seus biógrafos modernos, o falecido Jennifer Loach e Chris Skidmore, oferecem explicações um pouco diferentes: Loach, em sua biografia de Eduardo, sugere que o rei tenha contraído broncopneumonia aguda, que levou a uma infecção pulmonar ou colapso pulmonar, insuficiência renal ou septiceia, a mesma doença que matou sua mãe, em circunstâncias diferentes. Skidmore, cujo trabalho como estudante de Oxford serviu de base para de sua biografia de Eduardo, sugere que o jovem rei teve uma espetacular má sorte ao contrair varíola e depois sarampo em 1552, um ano antes de sua morte, e antes de ter tempo de se recuperar de ambas, seu sistema imunológico estava tão fraco, que  morreria ao contrair tuberculose, que viria a matá-lo. Tudo isso foi agravado, é claro, pela medicina que seus médicos e conselheiros escolheram usar com ele – inicialmente para salvar sua vida mas, nos últimos meses, para mantê-lo vivo por  tempo suficiente até que ele assegurasse a sucessão de Jane ao invés de Maria.

Eduardo VI com treze anos, por Guillim ScrotsEncantador, brilhante, atlético, bonito e musicalmente talentoso, Eduardo podia e fez-se mostrar cruel e frio como seu pai, muitas vezes inescrutável em sentimento e motivação, como sua mãe. Suas tentativas de criar uma monarquia protestante nas ilhas britânicas foram, ironicamente, continuadas e garantidas por sua irmã, Elizabeth, a quem ele tinha deserdado a fim de impedir que Maria se tornasse rainha. Enquanto o cadáver desfigurado de Eduardo estava sendo preparado para o enterro na Capela de Henrique VII na Abadia de Westminster, o triunfo de Maria Tudor sobre Jane Grey, a Rainha de Nove dias, estava prestes a começar.

Bibliografia:
RUSSELL, Gareth. ‘July 6th, 1553: The Death of King Edward VI‘. Acess: 06 jul 2013.
LONG, Terry. ‘The Death of Edward VI‘. Acess: 06 jul 2013.

8 comentários sobre “A morte de Eduardo VI

  1. O primeiro monarca protestante da Inglaterra, já que seu pai, Henrique VIII, embora tenha rompido com Roma e fosse o fundador da Igreja Anglicana, se manteve um católico praticante por toda a vida. A morte de Eduardo VI possibilitaria a ascensão de sua irmã, a católica Maria I, a primeira mulher rainha reinante da Inglaterra.

    • Exactamente, mas Maria não teve um reinado longo, a primeira rainha verdadeiramente na acepção de um reinado foi a Elisabeth. :)

  2. Edward é o meu monarca favorito da casa dos Tudors. Acho triste ele ter morrido tão cedo, e sem ter completado 18 anos. Ele teria sido um grande rei, sem dúvida.

  3. O mais interessante de tudo isso é ver um ‘menino’ de 16 anos tão inteligente e preocupado com sua herança e fé. O que ‘meninos’ de 16 anos se preocupam hoje em dia?! Perdão pelo comentário! Amei o post! Não li muito sobre Eduardo VI

    • Não tem que pedir desculpas, concordo totalmente com você. Não só a responsabilidade dele, mas também sua inteligência: aos 13 anos, ele já sabia falar latim, grego e francês, e nessa mesma idade ele traduziu a obra de Cícero “De philosophia” para o grego. Tudo bem que caímos naquela questão de que ele, como príncipe, tinha os melhores professores do mundo, mas qualquer criança hoje com internet tem acesso a aula grátis com os melhores professores em qualquer língua que quiser.

  4. “ele assegurasse a sucessão de Jane ao invés de Jane.” O certo não seria Maria? Desculpa se for ignorância minha, é porque fiquei confuso nessa parte.

    • Não é não, eu que havia escrito errado. É Maria ao invés de Jane. Já corrigi, obrigada pela observação!

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